Prisão de texto
Saiu para dar uma volta. E começou a olhar para as coisas que normalmente não reparava. Não, não tinha a morte marcada e por isso decidira valorizar os detalhes da vida. Não era uma pessoa sensível. Não a ponto de sair para se despedir da vida se atendo a seus detalhes. O que o fizera sair pela rua olhando pedras e sapatos? Tinha quer mostrar serviço. Não qualquer serviço. Ele tinha que escrever.
Sentar, respirar, pensar duas ou três vezes até ter a deixa, respirar de novo e começar a bater. É o tipo de tarefa que ele só cumpre com violência. Mais ainda sob pressão. Então ele bate uma, duas, três vezes. Quase com desespero. Cumpria o dever assombrado pelo perfeito. O perfeito de que o outro era capaz. Não ele.
Por isso a tensão. Uma letra depois da outra. Só pra cumprir o ofício. Vamos lá - incentivava a si mesmo - dois dedos de frases! Não saía de jeito nenhum.
Meteu a chave na porta e o pé na rua. Os olhos arregalados, quase implorando para que o mundo lhe atirasse no colo algo que viesse já em formato de texto. Alguma daquelas coisas que caem na nossa frente fazendo o exato barulho das teclas sendo agredidas pelos dedos. Coisas que nascem escritas. Raríssimas.
Não aconteceu. A não ser por sacolas de compras, voltou para casa vazio. Jogou-se no sofá com uma dor horrível: escrito entalado. Pior que prisão de ventre.
2 Comments:
Que prisãozinha de texto mais fajuta! Tá que nem presidiária brasileira: solta preso que é uma beleza!
Hã? Acho que nem eu entendi bem meu comentário. Mas vai assim mesmo.
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