sexta-feira, julho 28, 2006

A morte da formiga

De uma forma geral, sou uma pessoa pacífica, dessas que condena a e por princípio qualquer tipo de violência. Mas é importante fazer uma ressalva: isso só se aplica a períodos em que minha ira dorme. Se ela estiver acordada, posso ser cruel até a última consequência, como vou ilustrar com uma historinha que se passou hoje.

Há dias, andava louca para comer morangos. (Bastante incentivada, é verdade, pelas inúmeras promoções da fruta mais linda da época. Eu como morango pela cor.) Mas, atropelada pela correria das semanas, fui deixando pra ouro dia, outro, outro, outro, outro. Até que hoje, finalmente, resolvi comprar uma caixinha.

Cheguei em casa toda feliz, depois de uma aula cansativa, cortei os morangos em pedaços e comecei a derramar, com muita paciência, o leite condensado endurecido que restava na geladeira quando... Mal creio no que meus olhos detectam: num cantinho do prato, maculando a sacralidade da minha sobremesa-janta, uma daquelas malditas formigonas vermelhas que estão por toda parte. Bebendo do meu leite condensado.

Não consigo me lembrar de acinte maior na História das relações homem-formiga. Aquele minúsculo ser asqueroso conseguiu despertar o delicioso pecado que mantenho, a muito custo, sob controle dentro de mim. Ira. Sem dúvida, o meu favorito.

Tive a frieza de deixá-la a sós com o meu lindo prato e ir até o quarto buscar o objeto de tortura. Uma pinça, com a qual a capturei e joguei em uma das bocas acesas do fogão, onde agora jaz seu incinerado exoesqueleto. E ainda gritei para as outras, que sempre estão por aí, observando a movimentação na minha cozinha: "Que sirva como exemplo.".

Mas essas criaturas são vingativas, e nada me convence que não estejam planejando me pegar de jeito. Já seis minutos depois da atrevida ter virado churrasco, encontrei uma delas dentro da calça do meu pijama, circulando por regiões perigosas. E agora, qualquer movimento suspeito sobre a pele já creio ser um contra-ataque.

Penso se valeu a pena ter cometido tamanha brutalidade. Estou agora refém da minha própria violência.

Antes tivesse feito o de praxe: esmagado com o pé ou jogado no ralo e aberto a torneira. Mas não; quis inovar, inspirada pelos soldados do tráfico. Taí. Posso dormir, e acordar em uma fogueira, no QG da organização a que a morta pertencia. (As mortas, aliás. Depois dessa, já matei mais seis.)

Talvez eu seja obrigada, para salvar minha própria pele, a eliminar todas as outras; uma execução que pode levar anos. E dizimar formigueiros inteiros. Pais, filhos, e até ovos. Uma formificina histórica.

Mas é o que eu disse, sou até uma pessoa bem pacífica. Estava quieta na minha. Ninguém mandou que estragassem a minha alegria de comer morangos com leite condensado.