terça-feira, fevereiro 13, 2007

`Página 34

Não havia pastel de queijo. Tinho achou ótimo, pois também não havia a vontade de comer pastel. Então saiu à caça de um pouco de tempo consigo mesmo.

Foi em frente, pelo mesmo lado da rua, por exatos três quarteirões, quando mudou de lado e entrou na livraria. Então, aconteceu-lhe algo inusitado.

Olhou para a prateleira e viu três exemplares do seu livro de poesia favorito, um do lado do outro. Aquela cena teria sido normal, não tivesse ele se dado conta de que nunca mais havia visto o tal livro à venda desde que garantira o seu. Sorriu. Abriu um deles, para sortear um poema. E foi neste ponto que o inusitado se deu:

Antes de abrir, havia decidido que queria para si o poema que a mão esquerda estivesse segurando. Por dois segundos apertou-o com “bem força”, pra transmitir ao poeta seu exato estado e receber em troca a poesia correta. Respirou fundo e...

Deu de cara com uma página em branco.

Sua mão esquerda segurava uma página em branco. Talvez a única página em branco do livro inteiro. Na outra, um título pequenininho anunciava o início da segunda parte. Poesia alguma.

Olhou para um lado, pra outro, para a capa do livro. Riu. Riu, riu, riu, baixo e sozinho. Sua mão esquerda segurava a única página em branco que talvez houvesse no livro inteiro. Devolveu-o à estante. Respeitou.

Se bem conhecia os momentos de troca que tinha com o tal poeta, sabia bem que ele o entendia com a perfeição que lhe faltava. Ele o adivinhava. E aquela página em branco só queria dizer uma coisa, uma coisa que se escondia dentro dele: em tempos como aqueles, não se adequava a poesia.

Já disse que ele colocou o livro de volta à estante. Ficou paralisado por alguns instantes, rendendo homenagem àquele acontecimento. Jamais, em sua vida, o abrir de uma página ao acaso revelou coisa tão apropriada.

Alegrou-o como música a doce tristeza daquele momento.