sexta-feira, junho 29, 2007

Uma cena de Maria Joana

_Alguém já disse que você fica bem mais bonita de cabelo solto?

A pergunta pegou-a de surpresa. Não tanto por ser, depois de semanas convivendo no mesmo ambiente de trabalho, a primeira que ele dirigia a ela. Muito mais pelo que era em si. Muito mais ainda porque vinha dele.

Não mesmo. Muito pelo contrário, foi o que teve vontade de responder. Mas, tímida, sorriu:

_ O meu cabelo? Você tem certeza?

_Tenho, outro dia vi você numa foto. Acho que fica bem mais bonita.

Ela corou. Com certeza, corou. Para disfarçar, tinha duas saídas: fazer uma piadinha ou falar meia hora sobre toda a dificuldade que tinha para tentar disfarçar a rebeldia das madeixas, o que invariavelmente despertava risadas. Daria no mesmo. Ficou no meio do caminho e deu uma respostinha clássica e sem graça:

_ Naquela foto, meu cabelo estava molhado. Se eu soltar a trança agora, você vai mudar de opinião num instante.

_ Eu acho que não.

Hum, pensou. Pegou o copo de água e saiu da cozinha, antes que ele a convencesse a se livrar do prendedor na frente de todo mundo. Uma leve picada doeu-lhe bem atrás da orelha, lugar da famosa pulga-clichê: Será?

Mas só conseguia se lembrar de todas as sugestões que recebia para que prendesse os cachos. Mesmo nos dias em que, no fracassado esforço para acertar, ela passava horas a arrumá-los cuidadosamente para poder deixá-los soltos. Mas e então. Será?

Estava a caminho do banheiro, para dar uma discreta conferida, quando foi interrompida pela força de uma constatação a respeito de outra: “Você fica bem mais bonita de cabelo solto”.

Olha... Então não era que não gostasse de elogios. Gostava sim, mas só dos que são, ao mesmo tempo, inéditos e inesperados. Ainda que discordasse deles, conseguia sentir o agradável friozinho da lisonja.

Segurou a ponta da trança por dois segundos. Será?
Acabou dando mais duas voltas no elástico pra se certificar de que continuaria presa.

Mas foi pro elevador sorrindo.

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sábado, junho 09, 2007

Nas madrugadas

Confesso. Confesso a minha promiscuidade compulsiva. Não passo uma única noite sozinho no quarto. Na minha cama tenho sempre companhia. Às vezes, num desejo insaciável, até me entrego a mais de um. E passamos horas rolando na cama e só depois de muito tarde viro e durmo. Acordo cedo, tonto de sono e querendo mais. Torço para o dia passar depressa.

Não tenho preconceitos. Pode ser novo, velho, homem ou mulher. Mas, admito, tenho meus preferidos. José e Gabriel são casos sérios. Me fazem perder noites inteiras de sono. Quando começo, não consigo mais parar e vejo a hora passar e quanto mais me entrego, mais desejo me entregar.

Mas eu sentia falta de uma presença feminina na minha cama. Até que conheci a Lygia. Meu Deus, a Lygia, minha mais recente paixão. Noite e noites embriagado com Lygia e suas palavras sacanas, sua ironia sutil, suas várias personalidades e sua maneira simples de falar de amor. "Não se arranca o bem-querer do coração", palavras dela. Lygia, quem mais seria capaz de dizer algo assim tão óbvio e, por isso mesmo, tão indizível, invisível, impensável?

Inicio mais um capítulo. As páginas se sucedem como vagões de um comboio interminável que não canso de ver passar. Os ponteiros saltam em quartos de hora e não sou capaz de fechar o livro. O sono fica cada vez mais distante e a manhã, cada vez mais próxima. Vem, minha Lygia, que parei para escrever essas bobagens e já estou morrendo de saudade.

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